Carta Branca a Pedro Serrazina no Close Up

Publicado a 02 outubro 2019

No âmbito da celebração do seu 20º aniversário, a Agência apresenta a “Carta Branca aos Realizadores Portugueses” que, no espaço de um ano, irá percorrer os diversos festivais de cinema com sessões de celebração da cinematografia nacional do século XXI.

O sexto acto da iniciativa “Carta Branca aos Realizadores Portugueses” terá lugar em Famalicão, no âmbito do Close Up Observatório de Cinema de Famalicão, evento que decorrerá 12 a 19 de Outubro. O festival desafiou o realizador Pedro Serrazina para programar e apresentar uma sessão elaborada por si. 

Pedro Serrazina propõe para a sua Carta Branca uma sessão composta por 7 curtas-metragens: Lugar em Parte Nenhuma de Bárbara de Oliveira, João Rodrigues, Água Mole de Laura Gonçalves, Xá, Abraço do Vento de José Miguel Ribeiro, Fuligem de David Doutel & Vasco SáHistória Trágica Com Final Feliz de Regina PessoaPenúmbria de Eduardo Brito e Guisado de Galinha de Joana TosteOs filmes serão apresentados no próximo dia 18 de Outubro, às 10h, na Escola Profissional do Instituto Nun'Alvares.

Pedro Serrazina elucida-nos sobre o seu processo de reflexão e programação da sessão:

Os filmes que escolhi para esta sessão, apesar da sua variedade estética, têm em comum uma preocupação temática: em todo eles encontramos uma reflexão sobre ideia(s) de identidade e a sua relação com o lugar, o espaço de vivência. No meu trabalho enquanto realizador e professor, nunca vi a animação como o domínio do criador solitário, do animador a trabalhar sozinho, durante meses isolado do mundo. A animação pode ser isso. Mas pode também ser, para além da percepcão geral de entretenimento para um público maioritariamente não adulto, uma forma de expressão e reflexão sobre o que nos rodeia, sobre o que faz de nós aquilo que somos. 

Cada um à sua maneira, estes filmes constroem um universo que transcende o enquadramento: Encontramos em todos eles uma representação e exploração do espaço enquanto lugar de narrativa que transcende a ideia de cenário, como simples fundo para accão das personagens, para se tornar elemento fundamental, moldável, e reflexo das inquietações das personagens (e autores) que aí habitam. As curtas escolhidas refletem sobre questões de identidade, seja própria, seja cultural, e a sua relação com o lugar, seja este um espaço de difícil integração ou inóspito (como encontramos em Lugar em Parte Nenhuma ou Penumbria), espaço de afirmação pessoal (como em História trágica com final feliz), espaço de celebração da memória (como em Fuligem) ou de representação simbólica do espaço tradicional familiar e a sua relação com a vizinhança (Guisado de Galinha). 

A liberdade formal e plástica do cinema de animação torna-o ferramenta ideal para a construção de mundos fantasiosos. No entanto, é essa mesma liberdade que faz dele um poderoso meio para questionar ou (re)interpretar o real. Nesta selecção encontramos também uma componente documental, em que a animação surge como ferramenta de pesquisa, material de registo e de reflexão sobre identidade(s) e espaço(s) em risco de desaparecimento (Água Mole). Nesse sentido, tal como no filme de Alexandra Ramires e Laura Goncalves, este conjunto de curtas desvenda uma visão quase "antropológica" de um certo Portugal que desaparece gradualmente, fruto da gentrificação ou da inevitável mudança que nos consome com a passagem do tempo. É a sua forte "identidade" que, por um lado, torna estes filmes bem portugueses e, por outro, universais, no modo como tocam a humanidade dos seus assuntos. São filmes afinal, que refletem sobre a vida das gentes. São filmes, por isso, sobre nós. Sobre uma ideia de "nós" que se apaga lentamente.

A excelente qualidade da coleção representada pela Agência da Curta Metragem nestas últimas décadas, traduzida pelos prémios internacionais conquistados pela animação nacional, seja dentro seja fora de portas, tornou difícil a escolha final mas, com este conjunto de filmes, quis recuperar alguns títulos que, com outros também premiados, (que ficam para o espectador interessado descobrir por si para além desta sessão), apresentam características que de algum modo definem a animação nacional: uma animação de autor (e por isso de algum modo individual), cuidada a nível estético e do movimento, plena de referências (sociais, culturais, arquitetónicas...) visualmente especificas, mas ao mesmo tempo universal nas suas preocupações, o que talvez explique a razão do seu sucesso internacional.

Esta não era para ser uma seleccão de filmes de animação mas, defeito meu, acabei por me limitar quase exclusivamente à abordagem em que o meu próprio trabalho se inclui. A variedade de técnicas e abordagens escolhidas confirmam no entanto que, num momento em que muitos questionam a vitalidade dos formatos narrativos tradicionais, passa inevitavelmente pela animação a redefinição de novos modelos cinematográficos. E, já agora: Penumbria não é um filme de animação. Mas, perante o rigor dos seus enquadramentos e o uso dos planos fixos, permite-me referir especulativamente a definição de animação de McLaren: que o que importa não é a imagem, mas sim o que se passa entre as imagens. Algo que o filme constrói de modo notável.

A iniciativa Carta Branca aos Realizadores foi pensada como uma mostra de cinema português de processo invertido convocando as pessoas que pensam cinema na sua origem – os criadores - para se colocarem no papel do programador e fazer uma revisitação ao cinema nacional numa sessão de curtas-metragens. A nomeação de cada uma das personalidades é da responsabilidade do festival anfitrião, e o cineasta é desafiado a apresentar um cinema português crítico e inventivo narrado pelo próprio num olhar para os seus pares, onde haverá espaço para refletir sobre as mudanças significativas que foram operadas no cinema português no novo século.

As acções seguintes desta iniciativa terão lugar no Doclisboa Festival Internacional de Cinema (com Mariana Gaivão), seguindo-se o Vista Curta- Festival de Curtas de Viseu (Regina Pessoa), Temps D’Images Lisboa (Paulo Furtado), Inshadow Lisbon ScreenDance Festival (Rui Xavier), Cinanima Festival Internacional de Cinema de Animação de Espinho (Vasco Sá e David Doutel), Caminhos do Cinema Português (João Salaviza), Porto/Post/Doc (Mónica Santos e Alice Guimarães), Monstra - Festival de Animação de Lisboa (José Miguel Ribeiro), Cortex Festival de Curtas-Metragens de Sintra (Patrick Mendes), IndieLisboa Festival Internacional de Cinema (Gabriel Abrantes), Encontros de Cinema de Viana de Castelo (Manuel Mozos), Fantasporto Festival Internacional de Cinema Fantástico do Porto (José Magro) e Leiria Film Festival (Edgar Pêra).

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